Quando eu era
criança, via aqueles rabiscos nos muros e não entendia nada. Pra quem eram
aquelas mensagens? Códigos? Várias perguntas ficavam matutando na minha cabeça
e engatinham até hoje.
Eu me sentia
preso e talvez invejasse a coragem daqueles comunicadores que expressavam suas
ânsias, desejos e pensamentos de uma forma que pessoas criticavam, outras
refletiam, outras repetiam com sons e afirmações positivas. Eu me sentia preso,
pois queria me manifestar de alguma maneira artística, mesmo sem saber que
aquilo já era arte, mas o sistema me prendia. Minha mãe me doutrinava a não
rabiscar nada, nem em casa muito menos em outros lugares. Na escola, colegas de
turma quando riscavam as carteiras eram punidos e nossa noção de arte ficava
presa à Picasso e Van Gogh. Não sei até que ponto está ditadura educacional me
bloqueou, no entanto não sabia como me expressar.
Os anos foram
se passando e cheguei ao período chamado pré-adolescência. Conheci o mundo da
literatura, embebecido de versos, rimas, prosas e romances. Encantei-me. Desde
a depressão de Álvares de Azevedo, a ironia de Gregório de Matos e a
inquietação social de Castro Alves. Eu queria me expressar. A inquietação
interna crescia e comecei a rastejar na arte de escrever.
Escrevo desde
meus 12/13 anos muitos textos se perderam pelo mundo, outros eu joguei fora e
alguns divulgo quando perco a vergonha. Não são nada geniais, mas expressam
ânsias, desejos e pensamentos, tudo aquilo que sempre tive vontade de
manifestar através de pinturas ou pichações.
Num salto
cronológico, estou dentro dos muros do mundo da fantasia, que de fantasia não
tem nada, da tão sonhada Universidade Federal do Piauí. E novamente começo a
ver novas pichações de frases de impacto, símbolos chegando a ser abstratos e
grafitis mostrando vários sentimentos explodindo para além seres. Minhas perguntas
voltavam a latejar meu cérebro de reflexões.
Cada noite
pensando começava a ficar transparente, as vivências que a universidade promove,
se você for atrás claro, mostravam que muitas daquelas ânsias, desejos e
pensamentos não eram tão diferentes das poesias e prosas que eu escrevia. Eram
denuncias, eram mensagens de amor, eram angustias, era revolta com algo maior
que por muitas vezes são problematizadas e repercutidas do que uma simples
postagem numa rede social, do que um panfleto que muitas vezes não é lido, do
que um cartaz que é facilmente arrancado (como já vi várias vezes), ou mesmo
que uma poesia que muitas vezes é descartada ou não se tem acesso.
Eu passava
então, a ver que as palavras da minha mãe e de meus professores barravam algo
que incomodava um sistema. Eu percebi que a mensagem que outdoor que explanava,
VIU COMO FUNCIONA, realmente funcionava; com frases, símbolos e desenhos em
locais que as pessoas costumam reproduzir que são proibidas, também não era
diferente.
A constatação
do meu eu da funcionalidade daquelas artes veio quando rompi com meu bloqueio
de infância, mesmo que por uma única vez, e pichei com companheirxs de
militância o Centro Acadêmico da qual fiz parte como forma contestadora a atos
de machismo e homofobia que aconteciam por aquele Centro Acadêmico. O debate
desabrochou como nunca esperávamos. Quando cartazes e o dialogo não funcionaram,
as paredes proporcionaram debate. E todas aquelas intervenções urbanas
começaram a aparecer pelo mundo das fantasias como MACHISMO MATA, LUGAR DE
MULHER É ONDE ELA QUISER mostrando a opressão que as mulheres sofrem, outras
criticando o modelo de universidade tecnocrata/acrítica/produtivista, algumas
trazendo o debate da PM ASSASSINA que repreende jovens em periferias com
truculência e aborda universitários como “um gado bovino no curral” trouxeram
discussões, mostraram pessoas monstruosas em redes sociais (como o cara em um
grupo do Facebook que cultuou o ato do estupro). A partir daquilo o senso comum
era posto em cheque, senso comum este num lugar onde não deveria ser uma
verdade absoluta.
Mas a
criminalização com o argumento de proibição “legal” é levantado junto às
mensagens que estas manifestações artísticas trazem. Então eu pergunto quem as tornou
ilegais? Por quê? A Proibição por pessoas que temem aquelas artes, por pessoas
que criam leis para si e para manterem um status
quo favorável ao seu conforto. A Coca-cola, a propaganda do colégio
privado, do Governo, do Bob’s podem publicizar seus produtos, mas xs oprimidxs
pelo sistema não podem manifestar sua dor, seu sofrimento, suas chagas. Por que?
Por que não é estético como Picasso ou Van Gogh? E se Picasso pichasse, picho
seria arte? Por que x oprimidx não podem se manifestar para além verdades
legais? Sempre tem que seguir de forma calma e pacífica como se isso expusesse
suas lágrimas. A ilegalidade às vezes torna-se necessária, como o picho
histórico do FORA DITADURA que vemos nos livros de história. A humanidade
evolui assim.
PIXO, LOGO
EXISTO torna-se uma realidade e muitas ânsias, desejos e pensamentos começam a
ser vistos e refletivos massivamente, dos mais diretos como DITADURA NUNCA
MAIS, dos poéticos como O DELÍRIO É UM DESEJO, aos mais abstratos como KASA.
Começam então a saírem de meras angustias e passam a existir. Posso não
conseguir ser um artista de parede, mas venho por meio destas palavras gritar
junto com as paredes os anseios desejados por loucos pensamentos.
PIXO, LOGO EXISTO
O povo começa a gritar
De forma quieta, mas profunda
As paredes não são mais brancas
Transportam consigo, o grito de uma geração
De uma alucinação real
De dor e exploração
As paredes gritam
As paredes sangram
As paredes sangram
E de uma parede riscada
“Paredes brancas = Povo calado”
Pavel Gorki- Membro do GEAPI
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