domingo, 5 de janeiro de 2014

Carta de Piotr Kropotkin a Vladimir Illich Lenin (21 de dezembro de 1920)



Esta correspondência resultou de uma entrevista em 1919 entre Kropotkin e Lenin em Moscou, no curso da qual este pediu a Kropotkin para escrever-lhe a qualquer momento. A saber, essa carta não foi respondida. Nesta carta, o pensador anarquista denuncia a dura repressão ideológica que estavam realizando os bolcheviques.

Respeitável Vladimir Illich:

Já apareceu a notícia, nos jornais Izvestia e Pravda que dá a conhecer a decisão do governo soviético para tomar como refém alguns membros dos grupos de Savinkov e Cherkov do Partido Social Democrata, do centro tático nacionalista dos guardas brancos, e os oficiais Wrangel, para que, se for feita uma tentativa de assassinato contra 108 líderes dos soviéticos, serão "exterminados sem piedade" esses reféns.

Realmente não tem ninguém perto de você que lembre aos seus camaradas e lhe convença de que tais medidas representam um retorno ao pior período da Idade Média e as guerras religiosas, e é totalmente decepcionante para as pessoas que se inclinaram para a criação da sociedade, em consonancia com os princípios comunistas? Qualquer pessoa que ame o futuro do comunismo não pode lançar-se para alcançá-lo com tais medidas.

Será possível que ninguém explicou que realmente é um refém? Um refém é preso não por castigo a um crime. Ele foi preso para chantagear o inimigo com sua morte. "Se você matar um de nós, vamos matar um dos seus." Mas, isto não é a mesma coisa que todas as manhãs levar o prisioneiro para o cadafalso e voltar com ele para a cela, dizendo: "Espere um pouco mais, ainda"?

E seus companheiros não entendem que isso é equivalente a uma restauração de tortura para os reféns e suas famílias?

Espero que ninguém me diga que as pessoas no poder se interessem tão pouco pelas vidas. Hoje, para citar ainda entre os reis, há algumas pessoas que contemplam o assassinato como uma "ocupação agitada". E os revolucionários, por sua vez, assumem a responsabilidade de defender-se perante os tribunais que ameaçam a sua vida. Louise Michel escolheu este caminho. Ou rejeitam o julgamento e são perseguidos, como Malatesta e Voltairine de Cleyre.

Mesmo reis e papas têm rejeitado tão bárbaro método de auto-defesa, como o que é a tomada de reféns. Como podem os apóstolos de uma nova vida, e os arquitetos de uma nova ordem social, usarem de tais meios de defesa contra seus inimigos! Será que isto pode ser considerado como um sinal de que vocês consideram que o seu experimento comunista falhou e que não estão salvando a este sistema tão querido para vocês, mas sim salvando vocês mesmos?

Será que seus camaradas não percebem que vocês, comunistas, apesar dos erros cometidos estão trabalhando para o futuro e, portanto, não devam fazer o seu trabalho de forma tão próxima ao que foi o terror primitivo? Vocês deveriam saber que precisamente esses atos, praticados pelos revolucionários no passado, fizeram das novas conquistas comunistas algo tão difícil de alcançar.

Pienso que deben tomar en cuenta que el futuro del comunismo es más precioso que sus propias vidas. Y me alegrarla que con sus reflexiones renuncien a este tipo de medidas.

Acho que devem considerar que o futuro do comunismo é mais precioso que suas próprias vidas. E me alegraria que com suas reflexões, renunciem a este tipo de medidas.

Com todas estas deficiências graves, a Revolução de Outubro tem trazido um enorme progresso. Ela tem mostrado que a revolução social não é coisa impossível, coisa que as pessoas da Europa Ocidental começaram a pensar. E que, apesar de suas falhas está trazendo alguns progressos no sentido da igualdade.

Por que então golpear a revolução empurrando-a a um caminho que a leva a sua destruição, especialmente para os defeitos que não são inerentes ao socialismo ou comunismo, mas que representa a sobrevivência da velha ordem e de antigos efeitos destrutivos da onívora autoridade ilimitada?

Com camaradagem e carinho.

Peter Kropotkin

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