quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

História heterogênea da burguesia - Mikhail Bakunin



Nota do GEAPI

Saudações Socialistas e Libertárias!

Trazemos a público novamente parte da obra “Escritos de Filosofía politica”, uma compilação de textos de Mikhail Bakunin realizada por G. P. Maximoff, especificamente o capítulo IV do tomo II – Crítica da sociedade existente.
Neste tópico, Maximoff privilegiou a análise de Bakunin acerca do desenvolvimento, consolidação e declínio da burguesia, realizando uma análise histórica deste movimento assim como dando subsídios teóricos para a derrocada da classe burguesa.
Hoje, em 2014, bicentenário de Bakunin, é possível entrever como algumas de suas análises ainda podem ser adaptadas à atualidade, nos levando a refletir sobre o avanço e a superação da sociedade – ou se o que aconteceu foi uma maximização das sociabilidades da exploração do trabalho humano.
Para 2015, lançaremos mais algumas traduções dos Escritos, objetivando por fim compilá-los em um grande volume, tal qual os livros originais. 
No mais, desejamos uma excelente leitura e sua consequente reverberação na realidade, pois sem esta última, de nada valeria todo o desenvolvimento teórico e filosófico de Bakunin e outros anarquistas, do passado e da atualidade.

Anarquismo é luta!


Houve em um tempo em que a burguesia, dotada de poder, vital e formando a única classe histórica, ofereceu um espetáculo de união e fraternidade tanto em seus atos como em seus pensamentos. Foi o melhor período dessa classe, sem dúvidas, sempre respeitável, mas a partir de então impotente, estúpida e estéril como classe; foi a época de seu desenvolvimento mais vigoroso. Assim era antes da Grande Revolução de 1793; assim era também, ainda que em menor medida, antes das revoluções de 1830 e 1848. A burguesia tinha um mundo a conquistar, necessitava assumir seu posto na sociedade organizada para a luta, sendo inteligente, audaz e sentindo-se mais forte que tudo, possuía um poder irresistível, onipresente. Por si só engendrou três revoluções contra o poder unido da monarquia, a nobreza e o clero.

A franco-maçonaria: Internacional da Burguesia em seu passado heroico. A burguesia criou também uma associação internacional, universal e formidável: A Franco-maçonaria.
Seria um grande erro julgar pelo presente da franco-maçonaria o que foi durante o século passado e também no início deste. Sendo uma instituição primordialmente burguesa, a franco-maçonaria refletiu na sua história o desenvolvimento do poder crescente e a decadência da burguesia, intelectual e moral… Antes de 1793, e mesmo antes de 1830, a franco-maçonaria unificava em seu seio, salvo escassas exceções… a todos os espíritos escolhidos, os corações mais ardentes e as vontades mais ousadas; constituía uma organização ativa, poderosa e verdadeiramente benéfica. Foi a vigorosa encarnação e a realização prática da ideia humanitária do século XVIII. Todos os grandes princípios de liberdade, igualdade, fraternidade, razão e justiça humana – elaborados teoricamente pela filosofia do século – se transformaram em dogmas práticos dentro da franco-maçonaria, assim como nas bases de uma nova moralidade e uma nova política. Converteram-se na alma de um gigantesco trabalho de demolição e reconstrução.

Desintegração da franco-maçonaria. O triunfo da revolução matou a franco-maçonaria; ao ver seus desejos cumpridos parcialmente pela revolução, e depois de tomar, como consequência dela, o lugar da nobreza, a burguesia se converteu em uma classe privilegiada, exploradora, opressivamente conservadora e reacionária, depois de ser durante muito tempo uma classe explorada e oprimida. 
Por trás do coup d’Etat de Napoleão I, a franco-maçonaria se converteu em uma instituição imperial na maior parte do continente europeu.

O epígono do sentimento revolucionário burguês. Em certa medida, se reviveu a Restauração. Vendo-se ameaçada pelo retorno do velho regime, forçada também a entregar a coalizão dos nobres e da Igreja no lugar que havia ganhado com a primeira Revolução, a burguesia se fez revolucionária outra vez, por necessidade. Mas que diferença entre esta rebeldia reaquecida e a rebelião ardente e poderosa que a inspirava nos finais do século passado! A burguesia era sincera, então, acreditava séria e ingenuamente nos direitos do homem, estava inspirada e movida por um gênio para a destruição e a reconstrução. Nesse momento se encontrava em plena possessão de sua inteligência e em pleno desenvolvimento do seu poder.

Não suspeitava o abismo que separava as pessoas: Acreditava-se e sentia – de certa forma o era realmente- o verdadeiro representante do povo. A reação de Thermidor e a conspiração de Babeuf a curaram desta ilusão. O abismo que separa o povo trabalhador da burguesia exploradora, dominante e próspera se amplia cada vez mais, e agora só o corpo morto de toda a burguesia e toda a sua existência privilegiada será capaz de preencher esse vazio.

O antagonismo de classes deslocou a burguesia de sua posição revolucionária como líder do povo. A burguesia do século passado acreditava sinceramente que se emancipando o jugo monárquico, clerical e feudal, emanciparia ao mesmo tempo todas as pessoas. Essa crença sincera, mas ingênua, era a fonte de sua coragem heroica e todo o seu poder maravilhoso. Os burgueses se sentiam unidos com todos, e marchavam para o assalto levando com eles o poder e o direito para todos. Devido a este direito e este poder que estavam, por assim dizer, encarnados na sua classe, a burguesia do século passado pôde escalar e tirar os pontos fortes do poder político de que seus pais cobiçaram por séculos.

Mas, ao mesmo tempo para plantar sua bandeira, uma nova luz inundou suas mentes. Assim que eles conquistaram esse poder, perceberam que na realidade nada tinham em comum os interesses da burguesia e das grandes massas populares, mas, pelo contrário, estavam radicalmente opostos entre si, e que o poder e a prosperidade exclusiva classe possuidora só poderia existir sobre a pobreza e dependência política e social do proletariado.

Em seguida, as relações entre a burguesia e as pessoas mudaram drasticamente, mas antes que os trabalhadores perceberam que os burgueses eram seus inimigos naturais - devido à necessidade, ao invés de um desejo perverso - a burguesia tinha se feito consciente deste antagonismo inevitável. Isto é o que eu chamo de má consciência da burguesia.

Fuga do passado revolucionário. Hoje a situação é completamente diferente: A burguesia tem um medo absoluto da revolução social em todos os países da Europa; sabe que contra esta tempestade não tem outro refúgio que o Estado. Por isso deseja e exige um Estado forte, ou, em linguagem simples, uma ditadura militar, a fim de enganar mais facilmente as massas populares, tenta vestir esta ditadura sob o disfarce de um governo representativo popular, o que lhe permitiria explorar as grandes massas do povo em nome do próprio povo.

A alta burguesia. Nos estratos superiores da burguesia, após a consolidação da unidade do Estado, nasceu e cresceu mais forte a cada dia com a unidade social dos exploradores privilegiados de trabalho da classe trabalhadora.

Esta classe (a alta burguesia) compreende os altos funcionários, as áreas de alta burocracia, os oficiais do exército, os funcionários principais da policia e juízes; o mundo dos grandes latifundiários, industriais, comerciantes e banqueiros; o mundo jurídico oficial e da imprensa; e da mesma forma, o Parlamento, cujo ala direita desfruta de todos os benefícios do governo, enquanto a esquerda tenta tomar em suas próprias mãos esse mesmo governo.

A pequena-burguesia. Compreendemos muito bem que o conhecimento não é distribuído paritariamente, mesmo entre a burguesia. Aqui também há uma hierarquia, condicionada pela riqueza relativa da camada social a qual pertencem por nascimento os indivíduos e não a sua capacidade. Assim, por exemplo, a educação recebida por crianças da pequena burguesia - apenas superior a educação recebida pelos filhos da classe trabalhadora - é insignificante em comparação com a educação recebida por crianças de alta e média burguesia. E o que vemos? A pequena burguesia, que se considerada de classe média por uma vaidade ridícula e por sua dependência dos grandes capitalistas, se encontra muitas vezes em uma posição ainda mais miserável e humilhante do que a do proletariado.

Portanto, quando falamos de classes privilegiadas, não incluímos esta miserável pequena burguesia que por ter mais coragem e inteligência não deixaria de se juntar a nós para lutar juntos contra a grande burguesia, que oprime tanto quanto oprime o proletariado: se o desenvolvimento econômico da sociedade continua na mesma direção mais dez anos, veremos que a maior parte da média burguesia vai afundar primeiro para a posição atual da pequena burguesia para se perder gradualmente mais tarde, nas fileiras do proletariado. Tudo isto será resultado da concentração inevitável de propriedade nas mãos de um número cada vez menor de pessoas, o que implica necessariamente a divisão do mundo social em uma pequena minoria, rica, educada e dirigente, e a grande maioria dos proletários e escravos miseráveis e ignorantes.

O progresso técnico só beneficia a burguesia. Há um fato deveria surpreender toda pessoa consciente, a toda pessoa que defenda de coração a dignidade humana e a justiça; ou seja, a liberdade de cada um na igualdade para todos. Este fato notável é que todas as invenções da mente, todas as principais aplicações da ciência para a indústria, o comércio e, em geral, a vida social, até agora beneficiou apenas as classes privilegiadas e ao poder dos Estados, esses eternos protetores das desigualdades políticas e sociais. Eles nunca têm beneficiado as massas do povo. Basta referir, como exemplo, as máquinas para cada trabalhador e cada defensor sincero da emancipação do trabalho coincida conosco neste ponto.

O Estado é uma instituição controlada pela burguesia. Que poder mantém agora as classes privilegiadas, com todo o seu insolente bem estar e seu iníquo prazer da vida, frente a legítima indignação das massas? Esse poder é o poder do Estado, onde seus filhos mantêm, como sempre, todas as posições dominantes, médio e inferior, exceto as de trabalhadores e soldados.

A gestão da economia no lugar do Estado. A burguesia é a classe dominante e a única inteligente porque explora o povo e o mantém em um estado de inanição. Se o povo chegar a ser próspero e tão culto como a burguesia, a dominação desta última terminaria; e não haveria lugar posteriormente para um governo político, que se tornaria então um simples aparelho para a gestão econômica.

Desintegração moral e intelectual da burguesia. As classes cultas, a nobreza, a burguesia – que em um tempo floresceram e estavam no topo de uma civilização viva e progressiva na Europa – vão afundando atualmente em torpor, vulgarizando-se, tornando-se obesos e covardes a ponto de representarem apenas atributos mais desprezíveis e indignos da natureza humana. Vemos que essas classes não são ainda capazes de defender sua independência em um país tão virtuoso como a França antes da invasão alemã e na Alemanha, vemos que todas essas classes são a mais abjeta subserviência ao seu Kaiser.

Nenhum burguês - nem mesmo o mais “vermelho” - quer igualdade econômica, porque essa igualdade implicaria sua morte.

A burguesia não vê ou compreende qualquer coisa fora do Estado e os poderes de regulamentação do Estado. A altura do seu ideal, sua imaginação e heroísmo, é a exageração revolucionária do poder e da ação do Estado em nome da segurança pública.

Agonia fatal de uma classe historicamente condenada. Como organismo político e social, com serviços prestados à civilização do mundo moderno, esta classe está condenada à morte pela própria história. Morrer é o único serviço que ainda pode fazer; à humanidade, a quem serviu durante sua vida. Mas não quer morrer e esta recusa de morte é a única causa da sua estupidez presente e dessa vergonhosa impotência que agora caracteriza todas as suas empresas políticas, nacionais e internacionais.

A burguesia está em falência total? Será que a burguesia já chegou à falência? Todavia não. Ela perdeu o gosto pela liberdade e pela paz? De modo nenhum. Ainda ama a liberdade, desde que, obviamente que essa liberdade só exista para ela; ou seja, a burguesia mantém a liberdade de explorar a escravidão das massas, que, - mesmo possuindo sob as constituições atuais o direito à liberdade, mas não os meios para desfrutá-la – permanecem forçosamente escravizadas sob seu jugo. Quanto à paz, nunca sentiu a burguesia tanto a sua necessidade como atualmente. A paz armada, que pesa sobre o mundo europeu, perturba, paralisa e arruína a burguesia.

Reação burguesa contra a ditadura militar. Grande parte da burguesia está cansada do reinado de cesarismo e militarismo, que surgiu em 1848, como resultado de seu medo do proletariado...
Não há dúvida de que a burguesia como um todo, incluindo a burguesia radical, não acredita no verdadeiro sentido do termo no cesarismo e o despotismo militar, cujos efeitos já estão lamentando. Depois de ter aproveitado desta ditadura em sua luta contra o proletariado, agora expressa o desejo de se livrar dele. Nada mais natural, porque este regime humilha e arruína. Mas como pode liberar-se dessa ditadura? Em um tempo foi valente e poderosa; tinha o poder de conquistar mundos. Agora é covarde e fraca, e afligida pela impotência de senescência. É agudamente consciência dessa fraqueza, e sente que por si só não pode fazer nada. Precisa de Ajuda. Esta ajuda só pode ser proporcionada pelo proletariado, e por isso a burguesia pensa que deve conquistá-los para o seu lado.

A burguesia liberal e o proletariado.  Mas como pode se conquistar o proletariado? Com promessas de liberdade e igualdade política? Não essas são palavras que já não comovem aos trabalhadores. Aprenderam as próprias custas, e através de uma dura experiência, que essas palavras só significam a preservação de sua escravidão económica, mão mais pesada do que foi antes. Se quereis comover o coração desses milhões de miseráveis escravos do trabalho, fale-lhes da sua emancipação econômica. Há apenas um trabalhador incapaz de compreender que esta é a única base séria e real de todas as demais emancipações. Em consequência, a melhor forma de aproximar-se dos trabalhadores é da perspectiva das reformas económicas da sociedade.

Socialismo burguês. Os membros da Liga para a Paz e a Liberdade dirão: “Pois bem, chamemos também os socialista. Lhes prometemos reformas económicas e sociais, mas a condição de que se respeitem as bases da civilização e a onipotência da burguesia: Propriedade individual e hereditária, interesses para o capital e lucros com a terra. Lhes persuadiremos de que só a partir dessas condições – que, incidentalmente, asseguram nossa dominação e a escravidão dos trabalhadores – o proletariado poderá se emancipar.

Os convenceremos também de que para levar adiante tais reformas sociais, é necessária primeiro uma boa revolução política, exclusivamente política, e tão revolucionária como queiram no sentido político, com muitas cabeças cortadas se for necessário, mas com um respeito, todavia maior à sacrossanta propriedade. Em resumo, uma revolução puramente jacobina que nos faça donos da situação; e uma vez que nos façamos donos e senhores, daremos aos trabalhadores o que podemos e queremos lhes dar”.

Traços distintivos de um socialista burguês. Aqui o signo infalível para que os trabalhadores detectem um falso socialista, um socialista burguês. Se lhe falando da revolução ou da transformação social, dize que a transformação política deve preceder a transformação económica; se nega que ambas as coisas devem ser feitas ao mesmo tempo ou mantém que a revolução política deve separar-se em certo modo de uma plena e completa liquidação social empreendida de modo imediato e direto, os trabalhadores devem virar-lhes as costas: porque quem

A burguesia não tem fé no futuro. Algo muito notável, observado e manifestado por um grande número de escritores de varias tendências, é que atualmente só o proletariado possui um ideal construtivo, até o que, aspira com paixão, todavia virgem de todo o seu ser. Vê diante dele uma estrela, um sol que ilumina e lhe dá calor; (pelo menos, de modo imaginário) em sua fé, que lhe mostra com certa claridade o caminho a seguir, enquanto todas as classes privilegiadas e supostamente ilustres se encontram fundidas em uma obscuridade pavorosa e desoladora.

Estas últimas não veem nada adiante, não creem em nada nem aspiram a nada, salvo a preservação do status quo, enquanto reconhecem ao mesmo tempo em que este status quo carece em absoluto de valor. Nada prova melhor que essas classes estão condenadas a morrer e que o futuro pertence ao proletariado. São os “bárbaros” (os proletários), que representam agora a fé no destino humano e no futuro da civilização, enquanto as “pessoas civilizadas” só encontram salvação na barbárie, no massacre dos aldeões e o retorno ao Papa. Tais são os dois requerimentos finais da civilização privilegiada.

Livreto para download: aqui

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