segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Memória Proletária: À memória de Ferrer

Hoje se completa 105 anos do assassinato de Ferrer y Guardia pelo governo espanhol. O pai da Escola moderna e um dos principais representantes da pedagogia libertária ainda nos faz refletir e nos auxilia a construir o sonho de uma escola que trabalhe a autonomia e a coletividade de seus alunos, assim como o respeito mútuo, e principalmente, a construção de uma sociedade pautada na igualdade política, econômica e social. Ferrer y Guardia morreu, porém vive.
Divulgamos agora uma matéria  retirada do jornal "A Voz do Trabalhador", órgão de propaganda da Confederação Operária Brasileira, a COB, datado de 1909.
Aproveitamos o espaço e convidamos à tod@s para que participem do Colóquio Ferrer y Guardia Vive! - Reflexões sobre a pedagogia libertária, que será realizado no dia 22 de Outubro, no auditório da UESPI em Parnaíba.





O momento é ainda de protesto. O mundo inteiro protesta contra o bárbaro fuzilamento praticado na pessoa do grande mestre da nova ideia, o livre pensador Francisco Ferrer. 

Os sombrios fossos da Fortaleza de Monjuich recordem os tempos medievais, anteriores á queda da Bastilha. 

A descarga que fez tombar Ferrer repercutiu pelo universo inteiro, no intimo de cada peito, no seio de cada família, no meio de cada associação e no amago de cada país. 
Não ha homem de bom senso, ou livre pensador, que não sinta no intimo d’alma e dor pungentíssima que sufoca o puro sentimento, para só levantar um grito de revolta —porque todos pensamos livremente — porque podemos chegar a ser um Ferrer, um Gorki, um Gafoni, e os Stenka existem em todos os tempos. 

Os espíritos ferrenhos arraigados ao ortodoxismo do Sistema, no pessimismo conservador de tradições, entrincheirados no estulto baluarte da burocracia, arrogando-se os direitos de conquista, pretendem ainda a direção dos povos na trilha intolerável do mais absoluto despotismo, na mais concreta ignorância. 

Mas já passaram os tempos do obscurantismo, já lá se vão os tempos em que a venda era uma condição necessária á vida da humanidade.

Ferrer tombou, Ferrer deixou de existir, mas na matéria apenas; os Ferrer existem em todos os tempos e, cada Ferrer que tomba, e um passo de gigante dado no vasto campo dos nossos ideais. Cada Ferrer que tomba é uma pedra gigantesca atirada no alicerce do vasto edifício do Socialismo; cada Ferrer que tomba, é urna luz que se projeta altaneira, pairando por sobre a humanidade. Luz intensa que muitas centenas de lâmpadas voltaicas, em foco, jamais produziram luz de tão suaves reverberações. 

Lamentemos a morte de Ferrer, mas não nos deixemos empolgar pela dor estiolante das nossas mais santas e puras aspirações; pois que a morte de Ferrer, ao mesmo tempo que nos é uma grande falta, pois que Ferrer era um dos mais fortes esteios da nossa nobre causa, é ao mesmo tempo um grande bem, pois que a morte de um dos procetes da liberdade, em pleno campo de luta, é para nós uma vitória; o seu sangue fará germinar a ida, a luz que lhe alimentava o cérebro espalhar-se-á, comunicar-se-á as massas ávidas de saber e sedentas de luz, atestando assim a grandiosidade da ida e do cérebro que a gerou. 

Se morre um Ferrer entrega-se o corpo á terra, cujos vermes se encarregarão de consumir a matéria, mas não conseguiremos fazer com que a ida acompanhe a matéria na sua queda e decomposição; ainda que assim fosse: a ideia persistiria até chegar o tempo próprio para germinar, porque a ideia é luz e os vermes não comem luz, e como tal não conseguiriam consumi-la: assim a memoria de Francisco Ferrer conservar-se-á indelével no amago de nossos corações. Ferrer será para as gerações vindouras o que para nós tem sido os sábios e filósofos como Galileu, que descobriu o movimento da terra em torno do seu eixo; o Cristo, sublime filósofo da antiguidade, Platão, na sua escola, e Pitágoras, na sua teoria da alma, transcendente após uma correria de mais de três mil anos. Para depois formar o delicado maquinismo de que irradiam as mais suaves reverberações, grau supremo da organização dos seres – o homem.

Ferrer passará, pois, á posteridade como figura brilhante, destacando-se grandioso no escól sublime dos homens de talento, como o apanágio eterno de sua obra grandiosa. Levantemos, pois, um grito de revolta contra a morte daquele que só soube criar escolas.

Elevemos a voz proclamando bem alto a memoria daquele que só procurou instruir a infância – o criador da Escola Moderna – Francisco Ferrer.

Rio, 23 de Outubro de 1909.
A. Galileu.

Fonte: GALILEU, A. Á memória de Ferrer. A Voz do Trabalhador. Rio de Janeiro: Ano II - n° 20, 15 de Novembro de 1909.

Download do texto original <aqui>

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