sábado, 26 de abril de 2014

Ânsias, desejos e pensamentos



Quando eu era criança, via aqueles rabiscos nos muros e não entendia nada. Pra quem eram aquelas mensagens? Códigos? Várias perguntas ficavam matutando na minha cabeça e engatinham até hoje.

Eu me sentia preso e talvez invejasse a coragem daqueles comunicadores que expressavam suas ânsias, desejos e pensamentos de uma forma que pessoas criticavam, outras refletiam, outras repetiam com sons e afirmações positivas. Eu me sentia preso, pois queria me manifestar de alguma maneira artística, mesmo sem saber que aquilo já era arte, mas o sistema me prendia. Minha mãe me doutrinava a não rabiscar nada, nem em casa muito menos em outros lugares. Na escola, colegas de turma quando riscavam as carteiras eram punidos e nossa noção de arte ficava presa à Picasso e Van Gogh. Não sei até que ponto está ditadura educacional me bloqueou, no entanto não sabia como me expressar.

Os anos foram se passando e cheguei ao período chamado pré-adolescência. Conheci o mundo da literatura, embebecido de versos, rimas, prosas e romances. Encantei-me. Desde a depressão de Álvares de Azevedo, a ironia de Gregório de Matos e a inquietação social de Castro Alves. Eu queria me expressar. A inquietação interna crescia e comecei a rastejar na arte de escrever.

Escrevo desde meus 12/13 anos muitos textos se perderam pelo mundo, outros eu joguei fora e alguns divulgo quando perco a vergonha. Não são nada geniais, mas expressam ânsias, desejos e pensamentos, tudo aquilo que sempre tive vontade de manifestar através de pinturas ou pichações.

Num salto cronológico, estou dentro dos muros do mundo da fantasia, que de fantasia não tem nada, da tão sonhada Universidade Federal do Piauí. E novamente começo a ver novas pichações de frases de impacto, símbolos chegando a ser abstratos e grafitis mostrando vários sentimentos explodindo para além seres. Minhas perguntas voltavam a latejar meu cérebro de reflexões.

Cada noite pensando começava a ficar transparente, as vivências que a universidade promove, se você for atrás claro, mostravam que muitas daquelas ânsias, desejos e pensamentos não eram tão diferentes das poesias e prosas que eu escrevia. Eram denuncias, eram mensagens de amor, eram angustias, era revolta com algo maior que por muitas vezes são problematizadas e repercutidas do que uma simples postagem numa rede social, do que um panfleto que muitas vezes não é lido, do que um cartaz que é facilmente arrancado (como já vi várias vezes), ou mesmo que uma poesia que muitas vezes é descartada ou não se tem acesso.

Eu passava então, a ver que as palavras da minha mãe e de meus professores barravam algo que incomodava um sistema. Eu percebi que a mensagem que outdoor que explanava, VIU COMO FUNCIONA, realmente funcionava; com frases, símbolos e desenhos em locais que as pessoas costumam reproduzir que são proibidas, também não era diferente.

A constatação do meu eu da funcionalidade daquelas artes veio quando rompi com meu bloqueio de infância, mesmo que por uma única vez, e pichei com companheirxs de militância o Centro Acadêmico da qual fiz parte como forma contestadora a atos de machismo e homofobia que aconteciam por aquele Centro Acadêmico. O debate desabrochou como nunca esperávamos. Quando cartazes e o dialogo não funcionaram, as paredes proporcionaram debate. E todas aquelas intervenções urbanas começaram a aparecer pelo mundo das fantasias como MACHISMO MATA, LUGAR DE MULHER É ONDE ELA QUISER mostrando a opressão que as mulheres sofrem, outras criticando o modelo de universidade tecnocrata/acrítica/produtivista, algumas trazendo o debate da PM ASSASSINA que repreende jovens em periferias com truculência e aborda universitários como “um gado bovino no curral” trouxeram discussões, mostraram pessoas monstruosas em redes sociais (como o cara em um grupo do Facebook que cultuou o ato do estupro). A partir daquilo o senso comum era posto em cheque, senso comum este num lugar onde não deveria ser uma verdade absoluta.

Mas a criminalização com o argumento de proibição “legal” é levantado junto às mensagens que estas manifestações artísticas trazem. Então eu pergunto quem as tornou ilegais? Por quê? A Proibição por pessoas que temem aquelas artes, por pessoas que criam leis para si e para manterem um status quo favorável ao seu conforto. A Coca-cola, a propaganda do colégio privado, do Governo, do Bob’s podem publicizar seus produtos, mas xs oprimidxs pelo sistema não podem manifestar sua dor, seu sofrimento, suas chagas. Por que? Por que não é estético como Picasso ou Van Gogh? E se Picasso pichasse, picho seria arte? Por que x oprimidx não podem se manifestar para além verdades legais? Sempre tem que seguir de forma calma e pacífica como se isso expusesse suas lágrimas. A ilegalidade às vezes torna-se necessária, como o picho histórico do FORA DITADURA que vemos nos livros de história. A humanidade evolui assim.

PIXO, LOGO EXISTO torna-se uma realidade e muitas ânsias, desejos e pensamentos começam a ser vistos e refletivos massivamente, dos mais diretos como DITADURA NUNCA MAIS, dos poéticos como O DELÍRIO É UM DESEJO, aos mais abstratos como KASA. Começam então a saírem de meras angustias e passam a existir. Posso não conseguir ser um artista de parede, mas venho por meio destas palavras gritar junto com as paredes os anseios desejados por loucos pensamentos.


PIXO, LOGO EXISTO
O povo começa a gritar
De forma quieta, mas profunda
As paredes não são mais brancas
Transportam consigo, o grito de uma geração
De uma alucinação real
De dor e exploração

As paredes gritam
As paredes sangram
As paredes sangram

E de uma parede riscada
“Paredes brancas = Povo calado”
Pavel Gorki- Membro do GEAPI
 

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