sexta-feira, 3 de abril de 2015

Meu primeiro encontro com Bakunin - Errico Malatesta




Era o fim do verão de 1872, em Nápoles.

A Federação Italiana da Internacional dos Trabalhadores nos tinha delegado Cafieiro e a mim para representá-la no Congresso que se devia celebrar na Suíça (e que ocorreu, em Saint-Imer, no Jura Suíço), para um entendimento entre todas as sessões da Internacional que haviam se rebelado contra o Conselho Geral, no qual, sob a direção de Karl Marx, queria submeter toda a Associação à sua autoridade ditatorial e dirigi-la, não à destruição, mas a conquista do poder político.

Eu estava cheio de entusiasmo naquelas lutas, das quais a sorte da Internacional dependia e o porvir da ação revolucionária e socialista.

Jovenzinho, em minhas primeiras lutas, estava naturalmente muito feliz em poder ir ao Congresso, entrar em relação direta com companheiros de todos os países e talvez também orgulhoso por fazer ouvir minha voz. Naquela idade, quando não se é nada, estava cheio de mim! Mas o que sobretudo me entusiasmava era o pensamento de que conheceria Bakunin e que me tornaria (não duvidava disso) seu amigo pessoal.

Bakunin em Nápoles era uma espécie de mito. Havia estado ali, creio, em 1864 e em 1867, deixando uma impressão profunda. Falava-se dele como uma pessoa extraordinária e como geralmente ocorre, exageravam suas qualidades e seus defeitos. Falavam da sua estatura gigantesca, de seu apetite formidável, de sua vestimenta descuidada, de sua negligência pantagruélica, de seus desprezo soberano ao dinheiro. Contavam que, chegando a Nápoles com uma grande soma de dinheiro, no momento em que se apresentavam revolucionários polacos fugitivos da repressão que seguiu a insurreição de 1863, Bakunin deu simplesmente a metade de tudo o que tinha ao primeiro polaco necessitado que encontrou, e depois a metade da metade ao segundo polaco, e assim sucessivamente até que - e não precisou de muito tempo - ficou sem um centavo. E então pegou o dinheiro dos amigos com a mesma indiferença senhorial que havia dado o seu. Mas isso e outras coisas eram a lenda. 

O importante era a grande conversação que tinha nos círculos avançados, ou os supostos círculos, em torno das ideias de Bakunin, que foi remover todas as tradições, todos os dogmas sociais, políticos, patrióticos, considerados até então pela massa dos "intelectuais" napolitanos como verdades seguras e fora discussão. Para uns Bakunin era o bárbaro do Norte, sem deus e sem pátria, sem respeito a nenhuma coisa sagrada, e constituía um perigo para a santa civilização italiana e latina. Para os outros era o homem que havia levado aos pântanos das tradições napolitanas um sopro de ar saudável, que havia aberto aos olhos da juventude que se aproximou dele para novos horizontes; e estes, os Fanelli, os De Luca, os Cambuzzi, os Tucci, os Palladino, etc., foram os primeiros socialistas, os primeiros internacionalistas, os primeiros anarquistas de Nápoles e da Itália.

E assim, pela força das palavras, Bakunin se tornou para mim também um personagem legendário; e conhecê-lo, aproximar-me dele, aquecer-me com seu fogo era para mim um desejo ardente, quase uma obsessão.

O sonho iria se realizar.

Parti, pois, para a Suíça, junto com Cafieiro.

Naquela época eu estava enfermo, cuspia sangue e me julgavam como tuberculoso ou quase, tanto mais quanto que havia perdido os pais, uma irmã e um irmão por enfermidade do peito. Ao passar o Gotardo pela noite (então não existia um túnel e era necessário rodear a montanha de neve em diligência) me resfriei e cheguei à Zurique, para a casa onde estava Bakunin, pela noite, com tosse e febre.

Depois da primeira acolhida, Bakunin me acomodou em uma cama pequena, me convidou, quase me obrigou a deitar-me nela, me cobriu com todas as mantas e agasalhos que pode recolher, me deu chá fervente e me recomendou que ficasse tranquilo e dormisse. E tudo isso com uma ternura, uma ternura materna que me comoveu o coração.

Enquanto estava envolto sob as mantas e todos acreditavam que estava eu dormindo, ouvi o que Bakunin dizia, em voz baixa, coisas amáveis sobre mim, e depois acrescentou melancolicamente: "Pena que está tão doente; o perderemos logo; não tem mais de seis meses". Não dei importância a este triste prognóstico, porque me parecia impossível que pudesse morrer (eu mal posso acreditar até hoje); mas pensei que haveria sido quase um delito o morrer quando há tanto que fazer pela humanidade. Senti-me feliz pela estima daquele homem e prometi a mim mesmo fazer todo o possível para merecê-la.

No dia seguinte acordei curado e começamos com Bakunin e os demais, suíços, alemães, espanhóis e franceses, aquelas intermináveis discussões que Bakunin sabia dar tanto encanto. 
Fomos à Saint-Imer, onde - note-se a característica da psicologia popular - as crianças acolheram Bakunin ao grito de "Viva Garibaldi!". Naturalmente, sendo Garibaldi o homem que mais tinham ouvido celebrar, aqueles meninos pensavam que deviam ser um homem colossal. Bakunin era colossal, o viram rodeado e festejado, e pensaram que não podia ser ninguém além de Garibaldi.
Tomamos parte no Congresso, depois voltamos para Zurique, discutindo sempre, tomando acordos e fazendo projetos até a noite.

Conheci Bakunin quando ele estava já em idade avançada e cheio das enfermidades contraídas nas prisões na Sibéria. Mas o encontrei sempre cheio de energia e entusiasmo e compreendi toda sua potência comunicativa. Era impossível para um jovem ter contato com ele sem se sentir inflamado pelo fogo sagrado, sem ver os próprios horizontes alargados, sem se sentir cavaleiro de uma nobre causa, sem fazer propósitos magnânimos. 

Isto ocorria com todos os que caiam sob sua influência. Depois, alguns, uma vezes cessado o contato direto, mudaram pouco a pouco de ideias e de caráter e se perderam pelos mais diversos caminhos, enquanto outros sofreram e, se sobreviveram, sofrem ainda aquela influência; mas não houve nada, creio, que ao entrar em contato com ele, ainda que fosse por breve tempo, que não tenha se tornado melhor. 

Para acabar, relatarei um episódio característico. Talvez o tenha contado outras vezes, mas em todo caso merece ser repetido. 

Era o momento, o do Congresso de Saint-Imer, em que Marx, Engels e seus seguidores, em parte por ódio e por vaidade pessoal ofendida, se esforçavam mais por espalhar a calúnia contra Bakunin, saiu com esta proposição: "É preciso pagar àquela gente com a mesma moeda; eles caluniam, caluniemo-los também, nós". 

Bakunin se sacudiu como um leão ferido, fulminou com uma olhada o proponente, se levantou em toda sua gigantesca pessoa e gritou: "O que diz, desgraçado? Não, é melhor ser mil vezes caluniado, ainda que as pessoas acreditem, que se rebaixar a ser um caluniador".


Pensiero e Volontà, Roma, 1926.